Post published:05/11/2014
OBSERVAÇÃO: O texto que segue abaixo, para fins de melhor assimilação dos leitores será dividido em duas partes. Moderador. Cleber Francisco de Oliveira (Marashitan) Newton Teixeira Carvalho (Kaoshahum) Este texto é resultado de uma promessa verbalizada no final da prédica de abertura do “Rito de Louvação ao Orixá Ogum – RLAO” realizado no dia 23/09/2014. Naquele dia, nos comprometemos a publicar neste site uma breve síntese do que aludimos ao fazer a analogia entre a Lei de Deus e o Direito normativo dos homens, considerando o processo da evolução do ser espiritual, no sistema dimensional e adimensional do planeta Terra. Inicialmente, gostaríamos de esclarecer ao leitor que não estamos justificando a Evolução Espiritual dos seres humanos, embasando-nos apenas nas teorias da ciência jurídica processual. Segundo nosso entendimento, do ponto de vista espiritual, ainda consideramos essas teorias obtusas, fechadas apenas às contingências e realidades físicas da condição humana, que são temporais. Na verdade, a intenção é justamente o contrário, ou seja, mostrar a prevalência das “Leis Espirituais”, como causas primordiais (adimensionais e atemporais) originadas do “Orum”[1], sobre as leis dos homens, que são transitórias, inconsistentes, próprias do “Ayê”[2]. Porém, as leis dos homens não podem ser desprezadas em sua totalidade e podem ser vistas como um sinal premonitório do progresso moral da humanidade (BOBBIO,1990:52-53). Portanto, interessa ao direito o destino do homem, a sua origem, e interessa, também, demonstrar que o ser humano está em constante progresso. Os homens hoje são melhores, eis que mais aperfeiçoadas se apresentam as leis que os governam. Assim, a consciência moral, que não pode ser olvidada, está em constante aperfeiçoamento, inclusive com o reconhecimento e proteção dos direitos dos homens. Há um esforço pela prevalência do bem por meio da transformação do mundo para melhor, possibilitando uma convivência universal pacífica, indispensável à própria sobrevivência de todos nós, como viventes em uma sociedade em evolução. E, nesse ponto, as leis terrenas buscam ir ao encontro das leis divinas ou contribuírem para o entendimento delas neste planeta, principalmente por meio da universalização de diversos princípios[3], que deverão ser observados por todos, independentemente de nação e em busca de uma cidadania comunitária. Dessa forma, desde já, afirmamos que o fundamento do texto, propositadamente, é fazer com que entendamos que a realidade das Leis Divinas é imutável e eterna. Por isso, atemporal, razão pela qual o fim último, essencialmente dizendo, é conduzir todos os indivíduos à ascensão espiritual, na busca da eternidade. Também não podemos omitir que o princípio da “LEI PRIMÁRIA”[4] é refletido palidamente nas normas jurídicas elaboradas pelos homens, de acordo com as estruturas legais adotadas para a regulamentação existencial física. Do ponto de vista espiritual, devemos considerar que as leis abstratas e as concretas, ou seja, as Divinas e as jurídicas, interpenetram-se para sustentar o sistema de prevalência da “Realidade Una”. Assim, a norma posta, do ponto de vista jurídico, ganha contornos de interpretação doutrinária teleológica para fins de condução social da humanidade que, no aspecto cultural, pode refletir a moral, a ética, a política e a economia elegidas pelo povo, a fim de evitar o caos planetário ou anomia generalizada. Portanto, no estado democrático de direito, é necessário entender as leis dos homens como produto de consenso. Dessa forma, devemos obediência a essas normas, principalmente, em razão de nos sentirmos coautores da lei posta em favor da humanidade. Devemos obediência também pelo fato dessa lei ser indispensável e ter passado pelo crivo do devido processo legislativo, ou seja, ter sido elaborada por nossos representantes, seguindo todas as formalidades legais e, ainda, quando necessário, após oitiva das partes interessadas, por intermédio de audiências públicas ou outros meios democráticos de participação popular. Feitas essas primeiras considerações e a fim de não sermos prolixos a ponto de fugirmos do esquema traçado por nós na ocasião da prédica, é necessário ressaltar que, ao usarmos a analogia, conforme proposição temática, a nossa intenção não é sermos donos da verdade. Evidentemente, a explicação que daremos, embora esteja calcada na vivência individual, iniciática templária, que adquirimos ao longo de 26 anos[5] na lide do terreiro, também é possível que chegue a todos os interessados, por meio e sob o bafejo da espiritualidade[6]. Assim, a condição de discípulo ou dirigente de um templo umbandista, que exercemos ao longo dos anos, nos permite dizer, pela observação sistemática, sensibilidade mediúnica e atenção à prevalência da ESPIRITUALIDADE[7], que devemos ter cuidado com o que expressamos, já que agimos como formadores de opinião para aqueles que, por exemplo, nos escutam quando no templo do AUEA ou nos leem, como agora. Dizíamos que poderíamos, por analogia, relacionar: Evolução, como sendo o processo existencial de aprendizado espiritual, que permite um proceder de experimentação (vida humana), alinhado ao contraditório, que funcionará como (livre arbítrio) ou escolhas, a fim de dar efetividade à consciência do “Ser”, na busca da essência primordial que, indubitavelmente, é o Espírito. No ensejo, antes de avançarmos na explicação mais aprofundada do tema, ressaltamos, mais uma vez, que a sugestão do título tem como proposta contextual, explicar e ressignificar simbolicamente o entendimento das “Leis” que regem o ORUM e o AYE. Assim, do ponto de vista sagrado, essas aludidas leis, sejam abstratas ou concretas, são verdades necessárias que se sustentam na realidade dos ciclos e ritmos a guiarem a vidas dos destinados do Cosmo, os ESPÍRITOS. Não é difícil compreender, pelo exposto até aqui, que a lei dos homens é, antes de tudo, um produto histórico, em constante aperfeiçoamento. Portanto, as leis dos homens retratam nossa evolução e serão boas ou más em consonância com nossa evolução espiritual no momento em que a fazemos surgir, como produto do consenso, do debate. É por tal razão que nossas leis, ao contrário das leis de Deus, podem e devem ser revogadas, já que acabam ultrapassadas no tempo, sendo consideradas inconstitucionais, a exemplo de fatos vergonhosos encampados pelo direito, como a escravidão ou as leis nazistas. A revogação de leis retrata, com perfeição, nossa evolução. Enquanto umas são abolidas, outras surgem buscando melhorias para a sociedade. Hoje é consenso, na doutrina e na jurisprudência dos homens, o direito ao não retrocesso, ou seja, não podem surgir leis que piorem a situação e as conquistas da humanidade. Tais leis, se aflorarem, serão repelidas pelo ordenamento jurídico. Compreendida essa premissa, visualizaremos como as Leis abstratas se tornam concretas, amoldando-se, no caso da dimensão física, às normas jurídicas, que têm a função de guiar a conduta social dos seres planetários. Conforme já ressaltado, acreditamos que o sistema de impulsionamento evolutivo dos seres espirituais é sustentado, estruturalmente, pela realidade emanada da Suprema Consciência Una[8], PRINCÍPIO ESPIRITUAL[9], que se expressa pela (Onisciência, Onipotência e Onipresença). Por isso, ao afirmarmos que esse sistema relaciona essência, existência e substância, buscamos explicar a estrutura das realidades contingenciais da vida espiritual humana. Por esse viés, é bom que não percamos a referência das expressões: processo, procedimento e contraditório, que são comuns à sistematização da ciência jurídica. Da mesma, forma: evolução, vida humana e livre arbítrio são expressões usuais, comuns no meio religioso, que enfatizam a prevalência da existência espiritual sobre a forma, sem desmerecer a dualidade enfrentada pelos espíritos que ainda necessitam da experimentação dimensional substancial. A partir de Fazzalari (1992), um autor italiano dedicado ao estudo do processo, o direito processual foi democratizado e a nossa Constituição Republicana de 1988 encampou o devido processo legal. Assim, não basta mero procedimento. Nossa Constituição Republicana exige mais, ou seja, que o procedimento seja realizado em observância do contraditório. Assim, processo é procedimento em contraditório. Existindo somente o procedimento, não há que se falar em processo e, portanto, tudo é nulo. E, para que exista o processo, necessário é que o contraditório seja materializado por meio do direito de um dizer e do outro contradizer, e da ampla defesa, ou seja, do direito de ambos provarem o que foi dito, em mesma igualdade de condições. Não pode haver surpresa, e a verdade será construída pelo debate entre as partes. O melhor argumento, em prol da sociedade, é o que prevalecerá. Todos, independentemente da classe social, da cor, da opção sexual ou religiosa, têm as mesmas garantias de construtores da verdade, por meio do processo, como procedimento em contraditório. Voltando ao assunto central da prédica, enfatizamos a responsabilidade como virtude que, pelo regime da prevalência espiritual, nos dá critérios de senso democrático, e evoca atributos espirituais tidos como princípios essenciais (Amor, Sabedoria) ao crescimento consciencial do ser humano. Por analogia, os aludidos princípios seriam inspirações constitucionais divinas necessárias à vivência do “Ser”, independente da dimensão substancial em que estiver envolvido por existência voluntária ou compulsória, segundo os desígnios dos senhores do Karma. Tal colocação é importante, porque, só assim, haveria prevalência da essência espiritual, que funcionaria tal qual uma “Constituição” atemporal, guiando o indivíduo pelas inúmeras peregrinações e experimentações, considerando o seu percurso evolutivo. Em relação às leis divinas, há que se considerar que elas são perfeitas e, por conseguinte, a discussão, através do contraditório, deverá considerar a maneira como as respeitamos, assim como as diferenças de compreensão de cada uma. Dessa forma, o contraditório, com relação às leis divinas, não se refere ao conteúdo, mas sim em como melhor aplicá-las para a vivência harmoniosa em uma sociedade plural. O contraditório, no tocante às leis divinas, se faz presente no debate e na aceitação dessas leis, em conformidade com o grau consciencional de cada um. É demonstrando, igualmente que, se não estivermos prontos para ouvir o outro, estagnaremos no tempo e não haverá, por consequência, evolução. É evidenciar ao outro, que ainda se encontra arredio à aceitação das leis divinas, a necessidade de melhor observá-las, uma vez que, essencialmente, elas buscam o fim de uma convivência egoística, ou seja, aquela realizada sem o contraditório, na ausência de aceitação das diferenças e na perpetuação das desigualdades e imperfeições. Ilustremos: ao insistir em não ouvir alguém que pretende demonstrar que a minha posição não é a melhor, não querendo entender o que meu semelhante busca comprovar, estou agindo de forma egoística, fechando-me a novos ensinamentos e assumindo uma posição de superioridade, já que não estou apto a ouvir, e, assim, quebro o princípio isonômico que deveria reger as relações humanas. A partir de então, me isolo em mero procedimento e, dessa forma, não compartilho a nova fase evolutiva dos direitos dos homens, que é a assunção do devido processo legal em todos os atos da minha vida e em prol de um entendimento fraternal, pelo diálogo, como cidadãos do mundo que somos (Habermas,1997). Portanto, desprezar o devido processo legal é parar no tempo, em desfavor de mim mesmo, dos que me cercam e de toda a humanidade. Assim, não estarei apto a ouvir o meu semelhante, por não levar em consideração o processo, como procedimento em contraditório. Na família, sou o único que falo “o senhor da verdade”. No serviço, eu sou o melhor e, portanto, também não saberei ouvir, como também, não conseguirei ter amigos, nem me filiar a uma instituição filantrópica ou participar de um grupo religioso e nele permanecer. Como meus atos não admitem o contraditório, não estou pronto para ouvir o outro. Assim, não é difícil concluir que o egoísmo e a vaidade são reforços ao desprezo pelo devido processo legal, por constituírem quebra ao princípio isonômico, da ampla defesa e do contraditório. Na verdade, na ausência do devido processo legal, surge o estado de exceção[10], ou seja, na suspensão do diálogo, da oitiva do outro, do devido processo legal, eu sou o soberano e, portanto, imponho a minha vontade, meus desejos, minhas convicções, minha lei, como únicos e, portanto, avessos à discussão e às reformas. Dessa forma, para a compreensão das proposições anteriores, é necessário que o discurso democrático, que evocamos como sendo de responsabilidade, não esteja assentado em teorias cujos objetivos sejam exclusivamente materiais. Caso contrário, obtusamente visualizaremos a relação humana apenas como um karma estanque (isolado), não contemplando o processo evolutivo em seus aspectos mais amplos, começando na individualidade, estendendo-se aos grupos até atingir toda coletividade. Por outro lado, caso não admitamos as premissas do parágrafo acima, fatalmente desconsideraremos os débitos e créditos, adquiridos em outras existências, do indivíduo com a sociedade, que num todo é plural, diversa e interdependente. Isso quer dizer, inelutavelmente, que precisamos entender a realidade do MUNDO, conforme é admitida pela grande maioria dos irmãos planetários. Nesse caso, a vida se apresenta aos sentidos, culturalmente expressos pela egrégora da coletividade planetária, por “duas dimensões entrelaçadas”, que chamaremos de pátria dos vivos (seres humanos) e pátria dos mortos (seres astralizados). Esse argumento é bom e sólido, considerando que suas premissas são mais plausíveis do que suas negações. Nesse contexto, vejamos o pensamento do Mestre Arhapiagha: Na Cosmologia-Criação, entendemos que o argumento básico: tudo que existe tem uma explicação para sua existência. Também expusemos que os números e outras entidades matemáticas existem na necessidade de sua própria existência. Seria impossível eles não existirem, são tidos como noções primitivas. Não há além deles algo que exista e não tenha causa. Existir, portanto, é sinônimo de ter causa. (Rivas Neto,2010) É sabido, que a nossa sociedade planetária é plural, já que constituída de vermelhos (índios), negros (africanos), amarelos (asiáticos), europeus (brancos) e mestiços, que pensam, sentem e agem de formas diversificadas, na compilação das tradições orais e escritas. Essa é a razão da heterogeneidade cultural dos povos, que se materializa, segundo a gnose humana, nos vários saberes por nós chamados de filosofia, ciência, arte e religião. Esses saberes devem ser respeitados em suas individualidades, já que expressam o grau consciencial dos indivíduos que formam os grupos, povos, nações, que, em conjunto, representam a coletividade planetária. Os quatro pilares do conhecimento humano são métodos de acesso à Espiritualidade. Apesar de serem métodos não possuem monopólio da Mesma, pois Ela é inerente a todo ser humano, vivente no seu interior, independente dele ser religioso, cientista, filósofo ou artista. (Rivas Neto,2010) Por outro lado, também não podemos negar que esses saberes são influenciados e direcionados com maior prevalência, no contexto atual, pela cultura política e econômica, que continuam relegando a último plano a Espiritualidade, o que atravanca a evolução planetária em seus aspectos mais nobres. (continua…)
————————————————————————————————————– [1] Também chamado de plano sobrenatural.
[2] Diz respeito ao plano físico material, para nós a dimensão densa chamada de Planeta Terra.
[3] Consta da Constituição Federal: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras discriminação.”. Assim, através desta nossa Lei maior, encampamos princípios que vão ao encontro das leis divinas. A questão, doravante, é política, ou seja, como implementar tais princípios, o mais rapidamente possível, para que não continuemos em um estado de exceção, ou seja, aquele que nega direitos fundamentais..
[4] Causa primária de toda existência.
[5] Referência ao tempo de Iniciação Templária do Mestre Marashitan.
[6] Segundo a Escola de Síntese, da qual somos discípulos, reiteramos que o acesso imediato à Espiritualidade independe de métodos tradicionais preconizados pelas religiões, artes, ciências e filosofias.
[7] É efetiva, por ser inerente á todo ser humano, razão pela qual constatamos que Ela é pela inclusão total, não havendo privilegiados. Desta forma todos são contemplados. A meta é fazer chegar à toda comunidade planetária a alvissareira constatação dos espíritos.
[8]Conceito cunhado pelo Caboclo 7 Espadas (Mestre Orishauara). Para maiores elucidações ver Umbanda – A Proto-Síntese Cósmica.
[9] Por se tratar de conceito básico e metafísico, que por analogia imprime sinônimo qualificativo à Divindade Suprema, deve ficar claro para nós, que o Supremo Espírito é Eterno, não existindo para ELE processo evolutivo, eis que é o único a ser o Senhor do Infinito Evolutivo.
[10]Para tanto, basta o “soberano” insinuar uma crise ou criar uma necessidade para que a Constituição seja suspensa, com o escopo de neutralizar o perigo imaginado para restauração da situação normal. Surge o “salvador da pátria”, com plenos poderes, assim, essa suspensão implica, inevitavelmente, num governo mais autoritário, ou seja, com mais poder, em detrimento dos cidadãos.
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